São Paulo é uma cidade cinza banhada de vermelho, como se a bandeira fosse fielmente a representação de um estado sanguinário e poluído. Que bom, cheguei a uma conclusão que eu nem mereço, afinal todos que eu conheço já devem saber disso.
Meus pais de bocas abertas me encararam parados enquanto uma sirene começou a ecoar na vizinhança dando aquele tom melódico e confuso de que algo ruim se aproximaria. Tudo que eu pude ouvir era o som que eu conhecia desde a época da mamadeira: tiros por toda parte.
Que noite maravilhosa para caçar piolhos, é assim que eu chamo o ritual mágico de amizade entre os familiares onde nos jogamos no chão com as mãos na cabeça e aguardamos silêncio regrado de choro e gritaria. JACKPOT!, será que dessa vez alguém daqui de casa morre em uma bala perdida?
Quando tudo terminou eu levantei e estávamos todos bem, exceto a dona Mariana do 23. Ela tava abalada pra caralho. Puta merda, mataram o filho dela. Ele era traficante, manjava das armas e as exibia sempre que tinha chance, levou uma garota minha assim… ah, essas vadias que curtem cano na cintura, só lamentos pra vocês.
Essa teve sorte, não engravidou antes do pai morrer então o elo foi quebrado, menos um menino pobre sem pai nem ideal de certo e errado direito crescendo no crime vendo ostentação e querendo mais, nem que pra isso tenha que proliferar drogas de todos os tipos.
É, foda-se se eu sou egoísta, minha família tá salva e ninguém morreu. Ao menos dessa vez, mas a roleta vai rodar novamente, ela nunca para… só descansa pra cobrarem os dividendos, porque lucro dentro da favela não existe, entendeu?
JACKPOT pra mim filhão, to vivo mais um dia. Enquanto o meu não chega é continuar nessa vida apostando que o dia de amanhã vai ser melhor que o de hoje. Força dona Mariana, acho que eu vou descer e te dar um abraço. Quando meu irmão morreu ninguém me deu um abraço, meus pais estavam ocupados demais abalados e tendo que dar muita explicação na delegacia.
JACKPOT, até quando a sorte ainda vai estar ao meu lado?
