O cão vivia acorrentado a uma estrutura de ferro, em uma percepção atemporal dos acontecimentos, sabia apenas que sua corrente alcançava as extremidades do terreno, até as paredes e o portão, um lugar meio vazio, sem vida, sem alma.
O maior entendimento dele sobre o universo residia naquele cubículo, não havia nem mesmo a necessidade de um nome, para ele somente cheiro e instinto eram relevantes. Ele era o cão. No meio daquela existência nula, um reino desprovido de significado, estava seu castelo que o protegia da chuva e seu prato, que sempre tinha comida como se nada mudasse naquele lugar.
O comprimento da coleira impedia o cão de cruzar os limites do terreno quadrado, tendo seu alcance limitado pelo raio da extensão da corrente, seu círculo da solidão. O cão vivia imperturbável e seu propósito naquele terreno nunca foi questionada pelos habitantes do bairro nem por ele próprio.
Até onde ele podia se lembrar, ele sempre foi e sempre será o cão. Ele não se preocupava nem mesmo com a fome, pois parecia que alguma entidade invisível sempre enchera seus potes de água e de comida nos momentos em que ele estava dormindo.
Era o cão.
Só mais um cão, com uma responsabilidade e uma leve recompensa, já sem muita ambição. Seria ele, o único cão? Ele nunca questionou nada, assim como muita gente que lê esse texto não questiona nada.
Há correntes na sua existência?
Você já se permitiu tentar planejar uma fuga do terreno?
Você sente uma falsa sensação de recompensa por algo que você faz e nem compreende o motivo de fazê-lo? Então talvez você seja o cão.
O cão nunca parou pra pensar que podem existir outros cães no mesmo bairro e no mundo inteiro, e nenhum desses cães jamais ousaria descobrir o mesmo.
Programador, sonhando em ser escritor e falhando em ser humorista.